Lance Notícias | 06/07/2020 16:33

06/07/2020 16:33

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A Cigarra, a Formiga e a Pandemia: Mais uma tentativa de contributo para compreensão do isolamento

 

Já se passaram três meses e meio desde o início da pandemia. Muito já se disse, muito foi escrito e debatido no que se refere aos mecanismos de contenção à pandemia. O isolamento, em especial, tem gerado equívocos e por vezes tem se perdido o seu próprio conceito. Este escrito visa a prestar, como sugere o título, um pequeno contributo.

Médicos falam do lockdown¸ do isolamento, como instituto da ciência médica; operadores do direito avocam a si o instituto como ferramenta jurídica; administradores tratam-no como mecanismo para gestão. A conclusão é que de fato não é uma medida afeta a uma área, até porque se trata de fenômeno multisetorial, decorrente da característica coletiva da pandemia. Todavia, há uma questão que permanece em constante divergência é que parece pressuposto para o debate.

Sempre gostei muito das fábulas. As fábulas são narrativas em que os animais são personagens. Ao final apresentam a moral da história. E quando se fala em fábulas vem à mente as escritas por La Fontaine, dentre elas a famosa “A Cigarra e a Formiga”. Em rasas palavras, durante o verão, enquanto a cigarra cantava todo o tempo, a formiga empenhou-se em provisionar alimentos. Chegado o inverno, a formiga se abriga em seu ninho e mantem-se em cômoda condição e com suficientes alimentos, ao passo que a cigarra, sem o que comer, bate à porta do formigueiro e pede auxílio.

Uma releitura na fábula parece bem a calhar para o momento. Sabendo que logo chegaria o inverno, estação sabidamente fria, com parcos recursos naturais, cujo trabalho é reduzido, a formiga, antevendo a situação crítica, tomou medidas para lhe garantir a subsistência. A mesma cautela não foi adotada pela cigarra.

A pandemia, assim como o inverno da fábula, foi e é anunciada. Não é opção passar por ela ou não. De uma ou de outra forma a estação crítica chegará. Alguns adotam condutas para se precaver e passar pela perversa estação de modo a minorar os prejuízos. Outros, subestimam a friorenta estação. “O inverno não será rigoroso”; “já passamos por tantos invernos, este será só mais um”; “sempre morrem gente no inverno”; “não é somente no inverno que as moléstias ocorrem”, e por aí vai, da mesma forma como foi a postura da cigarra, que cantarolou, mas nem sequer seu ninho cuidou.

A formiga passará, possivelmente, a fria estação em isolamento. O provisionamento de alimentos, remédios, saúde e demais mantimentos, não foram promovidos para combater o inverno. Não há como evitar o inverno, ele virá. Não há como impedir que ele chegue, ele chegará. A medida é a proteção, o cuidado, a prevenção. De outro lado, não há como evitar a pandemia; ela chegou, chegará. Não há como mensurar seus efeitos. Alguns podem optar por passar a pandemia de forma cautelosa, cuidando-se. Outros, desdenhando-a.

Ainda, chegado o inverno, a cigarra pede socorro à formiga. Chegada a pandemia, alguns, acometidos pelo vírus –  frio – buscarão ajuda, consulta médica, leitão de internação ou, até, um respirador.

Como na fábula que ao final apresenta uma moral da história, a moral que a crise nos empresta é que (i) a pandemia não é uma escolha, e procurar culpados por ela é inócuo; (ii) a prevenção e precaução deve ser tomada por todos, porém, no fim, cada um escolhe como passar pela estação da miséria; (iii) algumas falas que desprezam a pandemia, equivalem ao canto da cigarra, só satisfazem a si; melhor seriam, para o próprio bem, que auxiliassem na mesma causa; (iv) no ápice da crise, pode ser que mesmo que mendigando auxílio, ele não poderá ser prestado.

“A formiga nunca empresta,

Nunca dá, por isso junta.

´No verão em que lidavas?´

À pedinte pergunta.

Responde a outra: ´Eu cantava

Noite e dia, a toda hora.

Oh! Bravo!´ torna a formiga;

Cantavas? Pois dança agora!”

 

 

 

 

 

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