Cerca de 600 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam as terras, entre Xanxerê e Faxinal dos Guedes, às 05h, do dia 22 de agosto de 2016. O MST alega que a área é do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em novembro de 2017, a Justiça Federal ordenou o […]
Cerca de 600 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam as terras, entre Xanxerê e Faxinal dos Guedes, às 05h, do dia 22 de agosto de 2016.
O MST alega que a área é do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em novembro de 2017, a Justiça Federal ordenou o despejo das 180 famílias acampadas na área.
Em fevereiro de 2018, o movimento reuniu forças e reocupou as terras com cerca de 400 famílias. No dia 12 de março do mesmo ano, com medo de um novo despejo, as famílias saíram das terras e se deslocaram para a comunidade da Linha São Lourenço, onde, após conversa com os membros da comunidade e com a Paróquia, o espaço foi cedido para as famílias.
Hoje, três anos depois, algumas famílias ainda vivem no local, cerca de 130 pessoas. A grande maioria não fica no acampamento durante a semana, indo para o local somente nos fins de semana. Vivendo ali todos os dias são cerca de 30 famílias. Os barracos foram montados no espaço onde existia a comunidade, no campo de futebol, no pavilhão e onde estava a igreja.
Neste local também existe uma disputa pelas terras. O antigo dono, que doou para a paróquia, hoje quer comprar as terras de volta. Por outro lado, a Paróquia, atual proprietária do espaço, deu permissão para que os membros do MST fiquem no local o tempo que for necessário. [Confira abaixo a explicação do pároco quanto a situação].
Em entrevista ao Lance Notícias, os membros comentam que o objetivo não é ficar na Linha São Lourenço, mas sim voltar para as terras que hoje estão em posse da Família Prezzotto. Esta, por sua vez, também comentou sobre a situação [veja a posição da família na reportagem abaixo].
Valderi Ribeiro, que está no grupo desde 2016, comenta que as dificuldades são grandes.
– Passar fome não, mas dificuldade sim. Parte desse povo que não tem acesso ao trabalho e quem não tem uma profissão vive do Bolsa Família, com R$ 90. E tem bastante gente aqui que passa o mês com esse valor. Aqui, algumas doações que vem e faz a diferença. Mas, a ajuda é pouca também. O pessoal que trabalha fora consegue se virar e se manter. O pessoal que mora aqui dentro mesmo, que vive aqui todos os dias, vive com um arroz e feijão, mas a mistura como uma carne não é sempre – conta.

Quem visita o local, logo percebe que algumas barracas contam com um banheiro improvisado outras nem isso. Energia elétrica é somente no pavilhão da comunidade, local onde fica o freezer que armazenam a carne e a comida perecível. Cada família que utiliza a energia elétrica precisa ajudar a pagar a fatura, que gira em torno de R$ 300, ficando na faixa de R$ 30 por família.
– Para as necessidades são feitas em patentes. Tem bastante coletiva. Alguns tem as suas individuais, mas elas ficam mais retirado do acampamento. Para tomar banho quase todo mundo tem um chuveirinho dentro de casa. Energia nos barracos não tem. Mas tem lá no salão, no entanto, não é usado lá até porque nem tem como instalar banheiro para todo mundo, nos fins de semana enche de gente, então, cada um cria o seu espaço para si. Uns aquecem a água na bacia, outros na água fria mesmo – detalha Valderi.

No local existem patentes comunitárias e outras particulares de algumas famílias
Saúde no Acampamento
O acampamento também registrou casos de Covid-19 durante a pandemia. As famílias mal tem água, quanto mais álcool em gel e máscaras.
– Tivemos casos de Covid. Dois casos, mas não ficaram aqui. Ficaram fora. Veja bem, com os barracos aqui dentro não tem como ter as pessoas com Covid aqui dentro, precisamos proteger todo mundo – diz Valderi.
Assistência Social
Valderi e Valdecir contam ainda sobre a união entre o grupo. Lá vive um senhor, ele possui problemas psiquiátricos.
– Quando chegamos aqui organizamos a construção em três fileiras, deixando acesso de carro para todos os barracos, até porque se tem alguém doente, com alguma necessidade a gente consegue chegar até lá. Temos uma pessoa com dificuldade, já procuramos Assistência Social, Caps, eles vieram aqui, mas não foi feito nada. Ele tem problema de distúrbio, tomava remédio, mas tem uma certa idade, é sozinho, as vezes toma uma cachaça. Tem noite que ele sai daqui e vai até Abelardo Luz a pé. É complicado. Tem dias que ele está tranquilo e outros não. A Assistência Social disse que quando ele está alterado tem que chamar a polícia, mas não é um caso de polícia, é um caso social. Ele não é nenhum bandido. Se as autoridades competentes não podem resolver esse problema não é nós que vamos jogar ele na rua. É um ser humano. Nós fizemos um barraquinho novo para ele porque ele tinha cortado tudo com o facão. Ficamos de olho, cuidamos, ele é uma pessoa sozinha, mas não é porque ele é sozinho que vamos abandonar ele também – detalha Valderi.

O idoso não vive com a família então é acompanhado pelos membros do MST
Em contato com a Assistência Social do Município de Xanxerê, foi informado que: “O senhor em questão já possui registros de atendimentos através do CRAS 2, que atende também outros grupos familiares do acampamento. A situação deste senhor demanda de uma articulação diferenciada porque ele é resistente às intervenções, seja dos serviços quanto dos próprios moradores do acampamento. Trata-se de idoso com questões de saúde mental e comportamentos agressivos decorrentes do uso de álcool, ele também possui vínculos familiares fragilizados. Assim, há necessidade de busca e responsabilização dos filhos para que acompanhem e administrem o tratamento e a atenção necessária ao idoso. O homem é assistido pela Secretaria Municipal de Assistência Social com acompanhamento PAIF pelo CRAS, liberação de benefício eventual (alimentos) quando necessário e recebe mensalmente valor através do Programa Bolsa Família”, informa a diretora de Gestão do SUAS, Karine Pretto.
Crianças do acampamento

– Estou desde o início do acampamento. Começamos em Chapecó, viemos para o despejo, depois viemos para cá. Mora aqui eu, minhas gêmeas (de seis anos), um menino de 17 e outro de 22 e o meu marido. Viver aqui é sofrido. Eu trabalho das 16h às 22h, na cidade, chego em casa quase 23h e quando é 06h já tem que estar de pé tirando leite, fazendo queijo. É sofrido. Para ir conseguimos um carro, senão não tem como ir. O meu filho mais velho e o marido também trabalham fora – diz Eleana Pereira Machado, de 39 anos.
Eleane ainda conta sobre as dificuldades dentro de casa. Quando chove piora. Com a chegada do inverno a preocupação também aumenta.
– Aqui molha dentro se dá chuva com vento e daí o frio complica né, como não tem aba, teto nada, o frio todo entra na casa. Tem que ter fogo no fogão a lenha sempre e se agasalhar bem. O que a gente espera é a realização de um sonho. Nós estamos aqui por um objetivo, que já nos rendeu um despejo injusto, pois como que se despeja a gente de uma área pública, do Incra, eu não entendo, é a pergunta que a gente faz. Enquanto isso, a gente se vira como pode, tem gente que trabalha por R$ 40, R$ 50 por dia, não tem como ir para a cidade trabalhar, então vai roçar um potreiro, tem que por comida dentro de casa – conta a mulher.
Mãe de duas meninas, gêmeas de seis anos, a educação das filhas é algo que fica comprometido.
– Elas vão começar a ir de novo na escola, estávamos segurando-as em casa por causa da pandemia, mas está vindo muito material e elas não estão conseguindo acompanhar. Elas estão na primeira série e vem quatro livros para fazer, mais um monte de folha. Muita coisa vem pela internet e nós mandamos em branco, aqui não pega celular, não temos internet. A gente tem receio pois já morreu pessoas da nossa família, mas fazer o quê? – indaga.
Quem está à frente do acampamento?
Valdecir da Silva, é atualmente o coordenador do Acampamento Marcelino Chiarello. Durante a semana mora na sua casa, na cidade, e trabalha como taxista e nos fins de semana fica no acampamento.
– Eu me criei no interior, fui filho de agricultor. Fui para a cidade, trabalhei como caminhoneiro por 17 anos, já vi de tudo nesse mundão. As vezes falo para a minha filha que aqui é o céu, por exemplo, no Nordeste muita gente passa fome. Já vai fazer uns cinco anos que estou no acampamento. Eu tenho fé no MST, pois comprar uma terra plana você não tem condição, consegue só ladeira, mas esse não quero, terra plana só por intermédio do MST – comenta.

Valdecir é taxista e atualmente coordenador do acampamento
Fim da comunidade da Linha São Lourenço

Na montagem como era o local quando o MST chegou e como está agora
Hoje, as famílias estão onde era a comunidade da Linha São Lourenço. Os barracos foram construídos em cima do campo de futebol, nos arredores e no pavilhão e também onde antes ficava a Igreja.
Porém, como a comunidade estava com poucas famílias participando, a Paróquia optou por tirar a igreja do local e reinstalar na SOS Vida.
– Aqui é da Paróquia e isso incomoda muita gente. Alegam prejuízo nas lavoras, mas nós estamos no nosso espaço, as ruas são abertas, eles passam aqui. Não temos nada contra ninguém. Mas, sabemos que estão pressionando o padre alegando que nós incomodamos. Nossa reinvindicação é pelas terras da Chapecozinho 2, que estamos reivindicando desde 2016. Estamos aqui aguardando. Só queremos Justiça, se a terra é pública, é minha, é tua, como da nação brasileira então que ela seja distribuída, e isso está na Constituição Brasileira. – comenta, Valderi
Paróquia comenta
O Lance Notícias também conversou com o pároco Claudir Meoti que explicou sobre a situação:
– Depois de três anos de reflexão, de conversa com os membros que faziam parte desta comunidade, que eram três famílias, nós chegamos à conclusão e juntos em reuniões, tudo isso registrado em atas, do fechamento da comunidade e eles serem inseridos em comunidades próximas. Definimos também a transferência do espaço da igreja, que era de madeira, para que não ficasse no abandono, perdida, apodrecendo, para a missão SOS, onde acolhemos os homens que buscam e desejam cuidar e resgatar a sua vida. Feita essa transferência, o acampamento já estava neste espaço, então alguns da direção do acampamento também acompanharam parte desta reflexão, não toda, algumas coisas eles acompanharam, porém nós assumimos o compromisso de que até que eles forem realocados para outro local, ou assentados, nós não faremos o desligamento da energia elétrica, mesmo sendo retirada a igreja, para que eles possam ter os meios de alimentação e conservação dos alimentos. Então, esse espaço é da Mitra sim. Quando ocorre o fechamento e a extinção de uma comunidade rural, os procedimentos legais são para o revestimento deste bem em outro ambiente que tenha comunidade nascente. Neste caso, é feito a venda do imóvel e esse valor é revertido para auxiliar na construção de capelas ou compra de terreno – conta.
Meoti ainda salienta que após as famílias saírem do local, a ideia é vender as terras.
– A preferência para venda do terreno, pelas normas internas da igreja, é sempre para aqueles que fazer circunscrição, ou seja, pelos vizinhos. Hoje essa área não está à venda, porque o acampamento está ali. No momento em que acampamento for retirado ou eles forem assentados, essa área tem preferências, são três pessoas que já nos procuraram. Então, depois que o acampamento sair, que a gente reza para que se encaminhe para um assentamento, para que possam ter sua terra e produzam os seus alimentos, aí se faz a avaliação de área, feita a avaliação se chama esses que tem interesses. É algo que não depende da gente, porque até que eles estiverem ali, eles possuem a garantia nossa de que não iremos vender e nem fazer o desligamento da energia elétrica – finaliza.

Terras almejadas
Os membros do movimento afirmam que as terras são do Incra e que deveriam ser destinadas para a reforma agrária.
– Para nós foi pior jogar para a Justiça Federal e eles não saem de cima do muro. Nós ganhamos em Brasília para a Justiça Agrária de SC tomar posse das terras, mas foi tudo engavetado. Isso é uma desjustiça para o Brasil. Os Prezzotto estão em posse das terras há anos, mas dono legal não é, é terra pública. Ele tinha os títulos para pagar e não pagou, o Incra vieram e cancelaram os títulos, sem falar que vendeu parte da área, mas legalizado não tem nada. A decisão não saiu, está lá. Eles seguem em posse, todos contratos de gaveta, frios – enfatiza.
Família Prezzotto
A assessoria jurídica da Família Prezzotto, que está em posse das terras, conversou com a equipe de reportagem do Lance Notícias e explicou como está o trâmite.
– A família Prezzotto detém a posse e a propriedade da área de terra há décadas. A área foi titulada por parte do Incra. Há discussão no âmbito administrativo do Incra a qual é meramente formal. Tanto é, que a Justiça Federal determinou a reintegração de posse da área em 2017 e 2018, bem como, proferiu sentença de que a posse é da família Prezzotto. O processo se encontra em grau de recurso junto ao Tribunal Regional Federal da 4º Região, em Porto Alegre, com parecer favorável à manutenção da sentença. Reitera-se que a família Prezzotto possui, por direito a posse e a propriedade das terras diante dos documentos que possui, em razão da titulação, bem como, em razão da ilegalidade e abusividade da invasão cometida pelos membros do Movimento. É importante mencionar que o MST se quer é parte desse processo em que se discute a posse da área. Ele não tem representação nesse processo. Quem está nesse processo é o Incra. É importante mencionar que há determinação judicial federal no sentido de que, em caso de qualquer ato de turbação ou esbulho da posse, como ameaça ou invasão, esses atos podem ser passíveis de punição financeira, com multa que chega a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia, e punição criminal, além de outras questões que já foram determinadas na reintegração de posse. O fato de estarem hoje ventilando essas inverdades, me parece discurso político para tentar manter ativo o movimento, ao passo que a maioria das lideranças do movimento sabe da real situação da posse e propriedade do imóvel – comenta o advogado Daniel Gabiatti.
INCRA
A reportagem do Lance Notícias ainda entrou em contato com o Incra para esclarecer como está a situação das terras citadas. Confira abaixo as respostas:
LN – As terras são do Incra?
Incra – Não. O INCRA não possui o domínio completo sobre o imóvel. Mesmo havendo registro em favor do órgão, haveria também registro com alienação em favor da família Prezzotto.
LN – A partir do momento que as terras são do Incra, as famílias do Movimento Sem Terra podem usufruir do espaço?
Incra – Não. Imóveis pertencentes a autarquia que por ventura sejam destinados a criação de projetos de reforma agrária geram usufruto as famílias que passem pela seleção prevista em lei.
LN – O Incra tem projeto de assentamento nesse local ou região Oeste de SC?
Incra – A região oeste do estado de Santa Catarina abarca a maioria dos projetos de assentamento em jurisdição INCRA SR-10/SC.
LN – Qual o trâmite para se criar um assentamento?
Incra – A criação de um projeto de assentamento carece em primeiro lugar que o INCRA seja imitido na posse do imóvel. Em alguns casos o imóvel deve ser declarado como de interesse social pela Presidência da República.
Preconceito
Recentemente saiu um assentamento em Major Vieira, inclusive dez famílias que estão no Acampamento Marcelino Chiarello irão para o local. Os membros do grupo comentam que o preconceito é presente.
– O povo pensa que todo mundo é vagabundo, mas quem quer terra para trabalhar é vagabundo? Não! Penso que é um povo pobre, humilde, que não tem terra para produzir, mas tem vontade. Cinco anos aqui e a polícia veio uma vez só por que uma pessoa estava caçando fora, mas não acharam arma, não acharam nada. Aqui, não tem um pessoal como a sociedade muitas vezes julga. Aqui dentro a gente tem normas e tem normas sérias. Drogas, por exemplo, é proibido aqui. Tem um cadastro que as famílias fazem para entrar no acampamento e precisa apresentar folha corrida (certidão de antecedentes criminais), aqui não tem bandido. Pessoa que tem pendência judicial não ganha terra do Incra. Aqui dentro nós temos uma coordenação com nove pessoas que atuam nos setores como saúde, segurança, higiene. Tem gente que já foi convidado a se retirar daqui. Um cara de Xanxerê roubou uma moto, pediu para entrar aqui, eu entrei em contato com a PM e nós entregamos o cidadão e a moto para a polícia. Aqui nós queremos respeito – diz Valderi.
